segunda-feira, 8 de maio de 2017

Continua a “festa” dos cargos comissionados

A forma desvirtuada por meio da qual expediente é utilizado por entidades do Poder Público
É bastante frequente a divulgação de fatos relativos a abusos na criação de cargos em comissão nas mais distintas esferas do Poder Público. Para aqueles que não têm muita familiaridade com a matéria, cumpre esclarecer que cargos comissionados são aqueles de livre nomeação e exoneração, enquanto cargos efetivos devem seguir dispositivos constitucionais que determinam a obrigatoriedade de concurso público. Em contrapartida, no caso destes últimos, superado o estágio probatório, o agente público conquista sua estabilidade, fazendo jus a regras mais rigorosas para ser desligado do quadro funcional da Administração. Ambas as espécies estão previstas no art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

O inciso V do mesmo dispositivo constitucional determina que as funções de confiança, para as quais podem ser nomeados os comissionados, devem se voltar a tarefas de direção, chefia e assessoramento. A razão para isso é evidente. Conferir eficiência à gestão pública também deve passar pela competência profissional dos agentes públicos que desempenham suas atividades em prol dos misteres administrativos.
Não se nega o preparo de agentes públicos concursados para as tarefas relativas aos cargos nos quais foram investidos por intermédio dos certames aos quais se submeteram. Aliás, servidores em cargos efetivos também podem ser nomeados para cargos em confiança e, geralmente, desempenham com excelência suas atribuições. A questão central, todavia, é permitir a nomeação de indivíduos para cargos comissionados como forma de buscar melhores resultados nas atividades desenvolvidas pelo Poder Público. Por que não admitir a nomeação de profissional de reconhecido preparo – que não integre a Administração Pública em cargo efetivo – como meio para a consecução de interesses coletivos?
Quando nos referimos à “festa” dos cargos comissionados, o enfoque não se dá na importância do mecanismo constitucionalmente previsto para a nomeação de profissionais competentes que contribuam para a eficiência da Administração Pública. A crítica que nos faz expor a matéria sob a denominação de “festa” decorre da forma desvirtuada por meio da qual o expediente é utilizado por diversas entidades que integram o Poder Público em sentido amplo.
Noticiou-se recentemente que determinada casa legislativa – de uma das pessoas políticas que integram a Federação brasileira – tem elevadíssima quantidade de cargos comissionados. Conforme afirmado, infelizmente, a situação não é nova. Como boa parte dos instrumentos voltados à boa execução dos misteres atribuídos ao Poder Público, a possibilidade de nomeação de servidores a cargos comissionados tornou-se modo de acomodação de interesses políticos. Os escândalos evidenciam o uso de nomeações para que apadrinhados políticos sejam presenteados, mas com uma certa “contrapartida”. Esta consiste, em muitos casos, no repasse de valores que integram a remuneração dos comissionados a partidos políticos ou diretamente aos agentes públicos que os nomearam.
Ninguém discute a utilidade dos cargos comissionados para os objetivos que o constituinte buscou contemplar. Entretanto, deve ser encarada a importância de se garantir mínima proporcionalidade entre cargos efetivos e cargos comissionados. Não é razoável supor que estes últimos se apresentem em patamar superior ou quase igual aos primeiros. Se isso for admitido, teremos que reconhecer a existência de mais cargos de direção, chefia e assessoramento do que daqueles que são sujeitos a tais funções, especialmente, aos que se subordinam a diretores e chefes. Além disso, nada justifica o excesso de “assessores” que figuram nos mais distintos âmbitos da Administração Pública.
A jurisprudência dos tribunais brasileiros – incluído o Supremo Tribunal Federal – é tranquila no que tange à necessária observância da proporcionalidade entre cargos efetivos e cargos em comissão. Um dos julgados sobre a matéria é o Recurso Extraordinário 365.368 de Santa Catarina, relatado pelo ex-ministro do STF, Carlos Velloso. De acordo com o que se depreende do acórdão, cabe ao Judiciário apreciar excessos pretensamente protegidos pela chamada discricionariedade administrativa.
Conforme ensinamentos provenientes de lições doutrinárias em matéria de Direito Administrativo, não se confere competência discricionária a administradores – baseada em juízo de conveniência e oportunidade – como se ela fosse um “cheque em branco”. Tal competência se justifica, consoante explicado acima, como meio para a realização dos fins que devem ser perseguidos pelo administrador em atenção a interesses coletivos. Nesse sentido, afastar-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na criação de cargos comissionados é, em suma, contrariar o interesse público, gerando custos excessivos e injustificados ao erário.
Cabe aos brasileiros, sobretudo após o advento da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11) e da ampla preocupação com a realização da transparência e com o controle da Administração Pública, fiscalizar a maneira como administradores públicos – em todas as esferas de poder – têm utilizado o expediente em comento. Não haverá respeito à moralidade e à eficiência se a máquina pública prosseguir como evidente “cabide de emprego” de apaniguados. O aparelhamento do Estado é um dos famigerados sintomas de um velho conhecido dos brasileiros: o patrimonialismo.
Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral
Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral - Advogado, Professor da Faculdade de Direito do IDP São Paulo, Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura, Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal

fonte: Portal JOTA