Até o mês passado, a cúpula da maior facção criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), repetia uma rigorosa rotina de exercícios físicos dentro da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. Com equipamentos improvisados com cabos de vassoura e garrafas PET cheias de água, os chefes do PCC fortaleciam o bíceps na prisão de segurança máxima que concentrava, até então, todo o comando da organização. Marco Willians Camacho, o Marcola, considerado o cabeça do bando, ia além: turbinava os efeitos da musculação com whey protein, a proteína do soro do leite que, em academias de verdade, ajuda os marombeiros a ganhar massa. Para relaxar, o grupo terminava o banho de sol com uma partida de futebol
Esses encontros descontraídos foram interrompidos em 14 de dezembro. Pela primeira vez, numa mesma decisão, todos os 14 integrantes do alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC) foram enviados para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) do presídio da vizinha Presidente Bernardes, considerado o mais rigoroso de São Paulo. A transferência dos presos, somada à guerra nacional entre facções deflagrada em outubro, colocou as autoridades da segurança pública de São Paulo em alerta. Policiais civis de Araraquara, no interior paulista, repassaram um relatório às delegacias seccionais do estado com um alerta. Segundo o documento, obtido pela revista ÉPOCA, “comunicado entre os membros do PCC dão (sic) conta de que armas de fogo foram distribuídas aos integrantes da facção para possíveis ataques. Consta que, no próximo dia 17 de janeiro, o comando do PCC irá ordenar aos executores o tipo de ataque e o local onde cada um terá que agir”. Procurado para comentar o relatório, o Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol) de São Paulo confirmou que o documento saiu de Araraquara – a penitenciária local já foi um reduto de forte influência da facção, hospedou Marcola e outros líderes do PCC. Apesar de reconhecer a circulação do documento, o Dipol não quis comentá-lo.
A mudança dos presos para o regime mais restrito foi solicitada pela Polícia Civil de Presidente
Venceslau, com aval do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do
Ministério Público Estadual. O pedido de transferência foi fundamentado pela Operação Ethos, realizada
em novembro, que investigou uma rede de advogados, acusados de transmitirem ordens do PCC para fora
da prisão. Ao julgar o pedido, o Tribunal de Justiça determinou que os 14 chefes do PCC fiquem até o dia
11 de fevereiro no RDD. Falta ainda o TJ decidir se acatará outra solicitação: a transferência da cúpula da
facção para presídios federais, mais uma forma de desestabilizar a organização.
No mundo do crime, a transferência foi vista como um novo pedido de prisão. No RDD do Centro de
Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, cada preso passa 22 horas do dia isolado numa cela
de 6 metros quadrados, sem acesso a jornais, televisão ou rádio. Tem direito a banho de sol só de duas
horas, sempre sozinho, e visitas de parentes uma vez por semana, sem nenhum contato físico. Esses
encontros ocorrem nos parlatórios, separados por grades, vidros e telas.
A comunicação é por interfone,
como nos filmes policiais americanos. Não há visita íntima.
Foi a remoção de alguns chefes do PCC para o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau
que desencadeou uma das maiores ondas de violência em São Paulo em maio de 2006. Na ocasião, a
polícia transferiu os criminosos depois de descobrir os planos da facção de promover uma megarrebelião
nos presídios. Ao ser conduzido para depoimento no Departamento Estadual de Investigações Criminais
(Deic), Marcola ameaçou as autoridades. “Não vai ficar barato”, disse.
Minutos depois, iniciaram-se
ataques orquestrados pela organização que pararam São Paulo. Seus membros se rebelaram em
presídios, incendiaram ônibus e alvejaram delegacias.
Entre os dias 12 e 21 de maio, 564 pessoas foram
assassinadas – 505 civis e 59 agentes públicos. Boa parte dos homicídios tinha sinais de execução
sumária. Não foram esclarecidos pela Justiça. A matança só parou quando o governo se sentou à mesa
para negociar com os bandidos, dentro do presídio.
Além da tensão desencadeada pelo isolamento inédito da cúpula, a segurança pública de São Paulo
precisa lidar agora com os desdobramentos da briga nacional entre facções. Em setembro, a cúpula do
PCC enviou uma carta, escrita à mão, aos demais integrantes do bando para declarar guerra à facção
carioca Comando Vermelho (CV), sua exaliada e hoje maior concorrente. Desde outubro, o racha dizimou
mais de uma centena de detentos nos presídios no Norte do Brasil. Na tentativa de evitar uma chacina
parecida em São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do estado transferiu para
cadeias neutras 71 presos pertencentes a três facções: CV, Família do Norte (FDN) e Okaid. Ao comentar
os massacres no Norte, o secretário da SAP, Lourival Gomes, reconheceu que São Paulo não está livre
de motins.
Fonte: Folha Política