domingo, 18 de dezembro de 2016

Pimentel usou dinheiro de corrupção para pagar despesas pessoais dele e de sua mulher


Indiciado pela Polícia Federal e denunciado por corrupção passiva pelo Ministério Público na Operação Acrônimo, que apura desvio de dinheiro público para financiamento de campanhas eleitorais, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, está encalacrado. Na recente denúncia contra o governador, a Procuradoria-Geral da República sustentou que a Odebrecht pagou propina a um emissário do governador e que, para receber os repasses ilícitos, cada um de pelo menos R$ 500 mil, o agente a mando do petista tinha de dizer uma senha, em geral hortifrutigranjeira, como “manga” e “alface”. 
O que se verá adiante é que o recebimento de vantagens pessoais, na forma de propina, era uma prática cotidiana do casal Pimentel. O mais grave, desta vez, é que a própria primeira-dama, Carolina de Oliveira, recebia a propina pessoalmente, sempre a mando do marido, e usava o dinheiro fruto da corrupção para pagar despesas do dia a dia, como faturas do cartão de crédito e até parcelas de um imóvel. É o que revela a delação premiada da dona da agência de publicidade Pepper Interativa, Danielle Fonteles, obtida pela revista IstoÉ.

A Pepper foi contratada por Pimentel para assumir a comunicação digital de sua campanha em 2010. O convite foi a porta de entrada para crimes apontados pela Operação Acrônimo. Oficialmente, a agência recebeu R$ 90 mil pelo trabalho, segundo a delatora. Mas pelo menos R$ 1,5 milhão teria entrado “por fora”.

Segundo Danielle, o próprio candidato Fernando Pimentel lhe orientou a procurar as quatro empresas responsáveis pelo repasse. O acerto foi o seguinte: o SETRABH (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte) entrou com R$ 600 mil, a empreiteira Camter pagou R$ 150 mil, a construtora Egesa, R$ 600 mil, e a ECB (Empresa Construtora do Brasil), R$ 120 mil. “Após ser contratada por Fernando Pimentel para atuar na campanha para senador, conforme orientação deste, se dirigiu para as empresas acima mencionadas para viabilizar o acerto financeiro”, diz trecho da delação.

De acordo com o depoimento, a primeira-dama participou das reuniões que chancelaram o caixa dois da campanha ao Senado. Carolina, ainda conforme relato de Danielle, era agraciada com uma propina de 50% em cima do lucro da Pepper nesses contratos, mesmo sem prestar qualquer tipo de serviço. “50% do lucro de cada contrato firmado com as empresas acima indicadas eram repassados para Carolina de Oliveira Pereira. Que questionada sobre qual o tipo de serviço prestado por Carolina para Pepper para justificar o recebimento daqueles 50%, a colaboradora disse que Carolina de Oliveira não prestava nenhum tipo de serviço para Pepper em contraprestação aos 50% recebido”, diz outro trecho da delação.

Marcação cerrada

Conforme revelação da delatora, a Pepper até chegou a trabalhar para as empresas que se cotizaram para compor o caixa dois da campanha de Pimentel. Danielle ressaltou, no entanto, que os valores foram superfaturados, justamente para criar o excedente necessário ao repasse das propinas. “Quando da sua ida naquelas empresas, a colaboradora e Carolina procuravam as pessoas indicadas por Fernando Pimentel, sendo que nessas ocasiões foram firmados contratos com as empresas indicadas, tendo como objeto a prestação de serviço em web com essas empresas. Tais serviços foram prestados, porém, o valor declarado na nota fiscal era muito superior ao real valor do serviço”, afirmou.

Carolina exercia marcação sobre pressão quando o assunto era propina. Costumava perguntar a Danielle sobre a entrada dos pagamentos e cobrava diretamente o seu percentual, destinado a bancar despesas estritamente pessoais. “Carolina de Oliveira não recebia em forma de dinheiro, sendo que o repasse dos 50% dos valores eram feitos por meio de pagamento de títulos de contas pessoais de Carolina e de seus familiares (mãe de Carolina), tais como cartão de crédito e parcela de um apartamento de propriedade de Carolina”, explicou. Danielle contou que “sacava dinheiro da conta da Pepper e efetuava o pagamento dos títulos diretamente no banco”. O relato ajudou a PF a entender os documentos apreendidos na busca e apreensão promovida na Pepper que indicavam justamente o pagamento de contas da primeira-dama. Houve também um contrato simulado de consultoria entre a Pepper e uma empresa de Carolina, a Oli Comunicações, para repassar o saldo que ainda faltava.
Em seus depoimentos, Danielle também detalhou atuação ilícita da Pepper em dois outros países: Gana e Congo. No primeiro caso, sua empresa fechou um contrato com o partido NDC nas eleições presidenciais de 2012, mas o pagamento foi feito via caixa dois pela empreiteira brasileira Queiroz Galvão. Na ocasião, o NDC elegeu o presidente do país, John Mahama. Segundo a delação, a Queiroz Galvão pagou US$ 500 mil a uma conta secreta na Suíça de Danielle, em nome de uma empresa offshore. Por ter ajudado no lobby em Gana, Carolina teria recebido R$ 80 mil. Pimentel, na ocasião ministro do Desenvolvimento de Dilma Rousseff, também teve participação importante na operação. Danielle não deixa claro, no entanto, qual o interesse de Pimentel na empreitada, nem se o recurso abasteceu as campanhas petistas. “QUE mostrado o ofício sem número do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, datado de 09 de outubro de 2012 e assinado por FERNANDO DAMATA PIMENTEL (ofício apreendido na empresa PEPPER) e endereçado ao presidente de GANA/ÁFRICA, foi perguntado como tal ofício chegou às mão das colaboradora. Respondeu que recebeu das mãos de FERNANDO DAMATA PIMENTEL para que tal documento fosse entregue para MARCOS ALEXANDRE, diretor da sucursal da QUEIROZ GALVÃO em GANA, o qual deveria entregar para o presidente de GANA; QUE explicou que tal entrega se deu durante uma das reuniões que teve com FERNANDO PIMENTEL e CAROLINA DE OLIVEIRA, sendo que tal ofício serviria para demonstrar que a colaboradora tinha aproximação com integrante do governo brasileiro”, revela o depoimento. O outro caso foi a contratação da Pepper para uma campanha do governo do Congo, em 2012, também por meio de pagamento via caixa dois pela empresa brasileira Asperbras.

As acusações são rebatidas pelas defesas de Pimentel e de sua mulher. O advogado Eugênio Pacelli, que defende o governador, afirmou: “Todas as delações envolvendo políticos repetem o mesmo discurso do caixa dois. Ele não cuidou de nenhum caixa na campanha. Nem aqui nem em Gana ou outra lembrança que venha a ser forjada para o delator se ver livre do cárcere”. Já o advogado Pierpaolo Bottini disse que Carolina está à disposição para esclarecer os fatos e que “as parcerias da jornalista com a Pepper foram pontuais, para projetos específicos, todos regulares e sem contatos com recursos públicos. Jamais foi sócia da empresa”.

Queda-de-braço

Os depoimentos de Danielle foram prestados à Polícia Federal em março e estão sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os trechos que citam a campanha de Dilma fazem parte de um outro anexo, remetido ao Supremo Tribunal Federal. Ainda há, porém, controvérsias sobre se a delação terá validade jurídica, porque ela foi assinada diretamente pela Polícia Federal. O ministro Herman Benjamin, relator da Acrônimo no STJ, chegou a homologar em agosto o acordo de colaboração. A Procuradoria-Geral da República (PGR), porém, foi contrária à homologação, sob o argumento de que a PF não teria competência legal para avalizar delações. Pimentel, enrolado até o último fio do seu cabelo grisalho, está mais do que atento ao desfecho dessa refrega.