domingo, 12 de fevereiro de 2017

CASO AÉCIO ESTÁ NO STF, NÃO TEMOS ACESSO, RESSALTA PROCURADOR DA LAVA JATO

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, negociador da Lava-Jato, explicou o caso de Aécio Neves, envolvido no escândalo das obras na  Cidade Administrativa. “Está no Supremo Tribunal Federal e não temos esse material conosco, pois envolve pessoas com prerrogativa de foro”, ressaltou o procurador em entrevista ao jornal o Globo.
(O Ministério de Público de Minas Gerais investiga suspeitas de fraude à licitação na obra mais cara da gestão Aécio Neves (PSDB/2003-2010). O inquérito civil público foi aberto em setembro do ano passado após vir à tona que o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro citaria em delação premiada na Operação Lava Jato o pagamento de propina de 3% do valor do empreendimento – que ficou em R$ 1,2 bilhão – a um dos principais auxiliares do tucano, o empresário Oswaldo Borges da Costa Filho.)
Confira:

O que pode-se esperar para a Lava-Jato em 2017?
Vamos ter operações, mas não no mesmo ritmo. A Lava-Jato que nós vivemos está se transformando em uma (iniciativa) de denúncias e processos, não tão investigativa. Dependendo de como for a cisão (dos depoimentos da Odebrecht), a gente vai ter uma ideia do futuro.
O sr. se refere a um futuro de quantos anos?
Só para fazer denúncias de fatos já investigados, são três ou quatro anos (o que chegaria a 2020).
Sérgio Machado disse, em conversa com Sarney: “A delação da Andrade Gutierrez vem muito pesada em cima do PT, do Sérgio (Cabral), mas poupa o Aécio”. A avaliação do colaborador estava correta?
Todos aqueles que não falaram sobre Cidade Administrativa (do estado de Minas Gerais) deixaram de revelar um fato importante, que hoje nós sabemos o que aconteceu. Entretanto, isso é uma investigação do Supremo Tribunal Federal e não temos esse material conosco, pois envolve pessoas com prerrogativa de foro.
Os acordos serão desfeitos?
Em relação a estes fatos, existe a possibilidade de renegociar os acordos em condições mais duras, quebrá-los não é a única solução possível. As colaborações (de executivos) são de natureza ampla, o que nós chamamos de escopo aberto. Pessoas físicas devem revelar todos os fatos. Já a leniência, assinada pelas empresas, são de escopo fechado. O objeto são aqueles fatos revelados.
E quando se descobre fatos não revelados pela empresa?
Ela pode vir a ser processada, entretanto isso não gera quebra do acordo. É sempre possível que a empresa venha e diga: agora quero renegociar esse fato. É possível que a gente renegocie uma multa maior, alguma outra penalidade.
O executivo não tem seu acordo fechado em determinado fato…
O executivo, não. Agora, nem sempre aquele fato está relacionado a algum dos executivos que fizeram colaboração. Nesse caso, quando a empresa traz o fato, a pessoa fica exposta. Se não fizer acordo, essa pessoa vai ser processada.
Isso pode duplicar o número de colaboradores de empresas que já fizeram acordo? 
Se realmente se confirmarem alguns fatos, não vão ser tantos assim, a ponto de duplicar. E nem sei se é caso de fazer colaboração. Posso fazer a leniência, a empresa resolve o problema dela, e o executivo vai ser responsabilizado. Não tenho obrigação de fazer uma casada com a outra. Quem assumiu o risco vai pagar o preço.
E quando o executivo é o dono da empresa?
Aí é diferente, fica muito difícil que a empresa faça um acordo contra o próprio dono. Teoricamente é possível, na prática, não. Traz, conversa e vamos ver se aceitamos. Se eu tiver prova do fato, não tenho porque aceitar a colaboração. Pelo contrário, a gente tem que mostrar para a população que esses acordos são feitos com seriedade.
E a prova?
A prova pode vir por outro meio. Eventualmente, pode acontecer que eu precise daquela prova. É a hipótese de eu fazer acordo. Mas aí ele vai ter que pagar uma multa maior. É preciso haver uma penalização pelo descumprimento (do acordo original).
Como estão as conversas em relação a Camargo e Andrade?
Elas têm vindo conversar, temos uma conversa muito franca, para que expliquem se querem nos auxiliar, trazendo esses fatos, ou não. A princípio, não temos grandes problemas em relação a essas empresas. Em relação aos executivos, aí é uma questão diferente.
A delação da Odebrecht foi além das expectativas iniciais do sr. ou foi na medida esperada?
É tão gigantesca, que se eu dissesse que foi o que eu esperava, tinha que ter muita imaginação para chegar a essa quantidade de informações e casos.
Qual país teve caso que mais te impressionou?
Não vejo diferença entre o comportamento do Brasil e dos outros países. Não sei se exportamos o modelo, ou se este é o modelo tradicional de política na América Latina. É uma simbiose entre a política e o financiamento da política e os interesses em obras públicas. A questão é quanto há de enriquecimento pessoal pra além do dinheiro para financiamento de campanha.
Pagamento direcionado a político a título de bom relacionamento, perto de uma campanha, deve ser tratado como caixa 2 ou é corrupção?
Neste mundo de pagamentos, temos que analisar a vontade das partes. Ouvir o depoimento do executivo para que diga se este pagamento estava vinculado a obra. Não estou dizendo que todo caixa dois seja crime de corrupção. Mas, se vinculado a uma obra, explicitamente ou implicitamente, seja ela do passado ou futura, vou ter que analisar e acho que é corrupção.
Isso não dá ao executivo um poder de definir o destino dos políticos que estão delatando? Ao omitir algo como um pagamento feito sem menção à campanha, embora a empresa tenha sido beneficiada…
É preciso ver as circunstâncias dos fatos: as reuniões que tiveram, as liberações que aconteceram, o depoimento de um colaborador é ponto de partida, não de chegada. É com ele que vamos conseguir analisar os dados.
Operadores de caixa 2 podem vir a ser investigados em Curitiba, mesmo que envolva campanha de pessoa com foro privilegiado?
Vou ter que esperar decisão do ministro Fachin, para saber se ele vai cindir em relação aos operadores ou se ele vai ficar com ela toda lá. A atual jurisprudência do Supremo cinde os processos, mesmo que seja uma coautoria. Mas nem sempre tem sido assim, a jurisprudência é um pouco vacilante.
Qual foi o impacto da morte de dona Marisa na Lava-Jato?
Respeitamos o luto da família. Não há nada que se comentar sobre morte de uma pessoa.
Quantos políticos com conta no exterior receberam dinheiro da Odebrecht?Não tenho ideia. Veja bem, a operação da Odebrecht se dava no exterior, mas muitos pagamentos eram feitos aqui no Brasil, através de doleiros.

fonte: República de Curitiba e O Globo