terça-feira, 28 de março de 2017

Com lista fechada, a Quadrilhocracia estará oficializada

Em O idiota, Fiodor Dostoievski retrata a sociedade superficial de São Petersburgo, do século 19.  Um ambiente em que as pessoas se avaliavam mutuamente pela quantidade de dinheiro que tinham, pelo tipo de famílias das quais se originavam e pelas pessoas que conheciam. “Cabeças ocas, gente que, em sua tacanhice, não se dava conta de que grande parte de sua excelência era apenas um verniz…”

A sociedade em que o autor estava inserido era muito rasa, tinha valores modelados pela mesquinhez e obsessão social. Nenhuma dessas pessoas realmente trabalhava. Eram parasitas na multidão de camponeses que cultivavam as terras. Como observou Eugene Peterson, ao ler as palavras desse magnífico escritor, qualquer um sente-se enojado com a sociedade complacente e corrompida da Rússia naquela época.

Pois bem. Na Rússia de Dostoievski e no Brasil de Elisa Robson, vejo similaridades quando penso em uma comparação daquela sociedade trivial, cheia de afetação e pose com a classe política do meu país.

Aqui, vivemos igualmente em tempos de declínio cultural e moral acelerado. Uma prova clara disso é o fato de termos, ao longo de nossa história recente, quadrilhas encasteladas no poder ocupando-se em implantar medidas econômicas destrutivas, cujo intuito é beneficiar apenas a si mesmas e a seus auxiliares (tanto públicos, quanto privados). Sem prestação de contas, nem imputabilidade. Com rios de dinheiro passando por suas mãos diariamente, somos espectadores de um regime totalmente propício ao abuso de poder.

Agora, podemos vivenciar algo ainda pior.

Parlamentares de diferentes partidos vêm defendendo uma mudança no sistema eleitoral para que, nas eleições de 2018, os eleitores votem nas chamadas listas fechadas das legendas.

Os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o relator da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), têm discursado a favor do sistema nos últimos dias.

Por esse sistema, os partidos relacionam os candidatos em uma lista pré-ordenada e os eleitores votam na legenda e não diretamente no candidato. São eleitos os primeiros nomes da lista, de acordo com o número de cadeiras a que o partido tiver direito. O principal argumento é o de que com esse modelo, será possível diminuir os custos das campanhas políticas, pois permitiria uma campanha por atacado e não no varejo.

Mas a questão crítica é a que, nesse exato momento, o Brasil está passando por uma grande limpeza por meio da Operação Lava Jato.

E isso não pode ser interrompido.

Com tal proposta, dirigentes partidários vão conseguir proteger parlamentares investigados na Operação e viabilizar suas reeleições, para que mantenham o foro privilegiado.

Além disso, a decisão passará diretamente para as cúpulas partidárias. Elas vão criar as listas preordenadas e escolher quem elas querem e quem não querem que se eleja. A chance dessas cúpulas se perpetuarem nos mandatos parlamentares será muito maior.

Mesmo que o atual modelo tenha falhas e exija mudanças urgentes, hoje, enquanto a Lava Jato está a pleno vapor, será altamente perniciosa uma decisão que deixe os eleitores com menos opções ainda para escolher seus candidatos. Sobretudo, porque está prevista mais uma grande varredura, como foi feita em 2016 com o PT.

Principalmente agora, não podemos permitir que tentem esconder candidatos e que escolham por nós.

Afinal, aprendemos algo muito importante com Dostoievski, nossos políticos são, em grande parte, “cabeças ocas, gente que, em sua tacanhice, não se dá conta de que grande parte de sua excelência é apenas um verniz…”

conteúdo: Elisa Robson - jornalista.