sábado, 17 de junho de 2017

O poder de julgar os outros

Talvez a meritocracia por concurso e desempenho possa quebrar a promiscuidade entre políticos e juízes

Há juízes bons e maus, preparados e incompetentes, burros e inteligentes, honestos e desonestos, embora todos, ou quase, se considerem num patamar acima do cidadão comum, pelo poder de decidir a vida e a morte de quem transgride a lei.

Quando se fala de juízes, é preciso muito cuidado, porque, se por algum motivo, algum se sentir ofendido, o suposto ofensor será processado e julgado... por um colega dele. A taxa de aproveitamento deve ser de quase 100%, já que o Judiciário é uma das corporações mais unidas e fortes do país.

Nada contra eles, já disse que meu avô foi ministro do STF e viveu discreta e modestamente. E que gosto tanto de juízes que namoro uma juíza de Minas Gerais, e conversamos bastante sobre a profissão de fazer, ou tentar fazer, justiça. O que me incomoda é, digamos, o plano de carreira.

Todo mundo sabe que os concursos para juiz de primeira instância são dos mais duros e rigorosos do país, exigindo dois, três anos, de estudos em tempo integral e renúncia à vida social. Os que sabem, entram. Não há noticias de fraudes ou favorecimentos. Justiça se faz.

Claro, para ser um bom juiz não basta saber as questões do concurso, é preciso inteligência e sensibilidade, integridade e dedicação, independência e coragem. Seria muito pedir modéstia e discrição... rsrs

Os problemas começam nas promoções, quando nem sempre os melhores são nomeados para instâncias superiores, para o TRF, o STJ, o STF. Entram em cena padrinhos políticos, amigos influentes, trocas de favores com futuros réus ou litigantes. Talvez aí estejam as raízes dos males que afligem o Judiciário, talvez o império da meritocracia por concurso e desempenho quebre a promiscuidade entre políticos e juízes.

Juízes de primeira instância, como Sergio Moro e seus colegas, não devem nada a ninguém, estão lá por seus méritos. Outros devem favores e apoios para crescer na carreira, o que em outras profissões é legitimo e saudável, mas não para juízes. É na escalada profissional que se testam a integridade e a independência de um juiz e o poder de julgar seus colegas. E a si mesmo.


Nelson Motta

conteúdo: O Globo