quarta-feira, 19 de julho de 2017

'Coisa bem pior já foi dita das tribunas do Congresso', diz Juíza ao negar ação contra Danilo Gentili

Luciana Tolentino de Moura, juíza federal da 7ª Vara Cível do Distrito Federal, negou concessão de uma liminar pedida pela Câmara dos Deputados para determinar a retirada de um vídeo do humorista e apresentador Danilo Gentili do ar.

No entendimento da juíza, a Câmara busca na Justiça “medida nitidamente de caráter repressor, censor, própria das ditaduras”.

Essa polêmica de Gentili com os políticos começou em março, quando divulgou gravação na qual aparece rasgando uma notificação da Câmara com reclamações da deputada Maria do Rosário (PT-RS) sobre suas postagens no Twitter. 

Ao receber o documento, o artista rasgou as folhas e colocou dentro de sua calça, esfregando nas partes íntimas. 

Na sequência, colocou os pedaços dentro do envelope e retornou a correspondência à deputada, pelos correios. O vídeo teve 16 milhões de visualizações e mais de 400 mil compartilhamentos.

Na Justiça, a Câmara argumentou que Gentili proferiu ofensas contra a instituição, em tom absolutamente jocoso e fazendo gesto obsceno e que, ao rasgar o documento e utilizar-se de termos pejorativos à honra e à imagem dos parlamentares em geral e da Casa, sendo que ele ainda atingiu com suas palavras e atos obscenos a honra e a imagem de toda a instituição. Ainda de acordo com a Câmara, as diversas manifestações dos internautas, apoiando a conduta do demandado, comprovam o efetivo dano moral sofrido.

A magistrada avaliou que o fato de alguém rasgar uma notificação recebida não tem qualquer relevância jurídica, uma vez que não tem tipificação penal, tampouco pode ser interpretado como ofensa.

“Muitas vezes é apenas a maneira que o notificado encontrou, naquele momento de surpresa e exaltação, de manifestar sua discordância”, escreveu.

E ainda completou: o litigado [Gentili] disse algumas palavras que representam, em certa medida, o pensamento e o anseio de milhões de brasileiros. 

E são absolutamente verdadeiras tais afirmações, a saber: que são os cidadãos que pagam o salário dos ilustres parlamentares; que estes não podem mandar calar àqueles; que o brasileiro “nunca admita, nunca aceite que qualquer deputado, senador, prefeito ou governador diga se você pode ou não falar alguma coisa”; que todos esses exercentes de cargo público “são funcionários” públicos a serviço do povo e que não é o povo que está a serviço deles”.

“As palavras e gestos veiculados pelo apresentador, pessoa de grande visibilidade nas mídias sócias e televisão, ainda que deselegantes, não trazem, a bem da verdade, qualquer ofensa à autora que não aquelas que, infelizmente, aparecem vez que outra no embate político entre representante e representados. 

Acredito que coisa bem pior, diria até mesmo mais vulgar, já foi dita – e transmitida ao vivo -, das tribunas do Congresso Nacional, chegando-se inclusive a tristes cenas de agressões pessoais (verbais e físicas), como aquela do cuspe por ocasião da votação do impeachment da Presidente Dilma, dentre tantas outras cenas lamentáveis”, disparou a juíza.

A juíza afirmou que, “ainda que se reconheça excessos nessa parte, além de gestos moralmente reprováveis, mas não obscenos, a questiúncula trazida a juízo é por demais insignificante para justificar a retirada do vídeo da rede mundial de computadores. “

“Busca-se, na verdade, medida nitidamente de caráter repressor, censor, própria das ditaduras. Por isso, é bom que se diga, o Poder Judiciário não se presta a tal mister, de censurar a indignação manifestada por cidadão, ainda que se discorde do teor de algumas palavras e gestos. 

Entretanto, nessa atitude do réu não vejo nenhum motivo razoável para censurar-lhe seu direito à livre manifestação de indignação com os políticos que nos representam. Isso é próprio das democracias, mas fortemente reprimido nas ditaduras.”