sábado, 2 de setembro de 2017

“Minha história é de fracasso na luta contra a corrupção”

Deltan explica como a impunidade penal fomenta o crime de colarinho branco no país.
Para o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, a corrupção no Brasil é tamanha porque somos o país da impunidade.
Em primeiro lugar, a corrupção é difícil de se descobrir e mesmo quando se sabe que de fato ocorreu é difícil de comprovar. Em segundo lugar, o processo pode ser anulado – principalmente quando o réu é rico.
Ademais, os casos demoram mais de 10 anos e, como Justiça lenta é Justiça nenhuma, acontece a prescrição. Quando o processo não prescreve, enfrenta-se dificuldade em executar a pena. Quando a pena é executada, vê-se que a pena é branda demais. E, finalmente, a pena é indultada depois do cumprimento de um quarto do tempo, como ocorreu com condenados no mensalão.
“Minha história é de fracasso na luta contra a corrupção”, diz Dallagnol, que relembra o caso do Banestado, dos Gafanhotos do Paraná e da Operação Pôr-do-Sol, que não tiveram sucesso em punir suspeitos de serem corruptos seja por prescrição ou pela anulação de provas.
O lamento do coordenador das investigações do Ministério Público Federal na Lava Jato foi feito durante a palestra “O combate à corrupção e à impunidade” no I Congresso Brasileiro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais na tarde deste sábado (26/08).
O fracasso de Deltan Dallagnol é compartilhado pelos colegas promotores e também pelos juízes que compunham a plateia do evento. Ao perguntar quem dos cerca de 300 presentes viu um réu por corrupção cumprir pena depois de transitado em julgado o caso em que atuaram, teve apenas duas respostas afirmativas.
Risco
A corrupção, segundo Dallagnol, é um crime racional, já que o criminoso avalia os benefícios e os riscos de serem pegos e punidos. No Brasil, a maior parte dos corruptos coloca suas esperanças na impunidade e a Lava Jato não muda essa realidade.

Dallagnol citou Martin Luther King ao dizer que “é um fato histórico que grupos privilegiados raramente abrem mão de seus privilégios voluntariamente”. Por outro lado, uma mudança neste cenário só virá com uma reforma no sistema de justiça criminal, como a proposta das 10 medidas contra a corrupção, feita pela força-tarefa.
Da mesma maneira que Sérgio Moro, Dallagnol também se mostrou preocupado, num tom mais dramático, com a possibilidade de mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da pena. “O que a mudança de entendimento do STF faz é matar a sociedade de inanição, de fome e de sede”, diz.
A Lava Jato
A Operação já soma 280 acusados, 100 condenados a mais 1.500 anos, tem 7 ex-parlamentares presos, já repatriou R$ 750 milhões e firmou compromissos de devolução de mais de R$ 10 bilhões de reais fruto de corrupção.

A Lava Jato, brinca Dallagnol, deve seu sucesso graças a um “erro essencial” da Polícia Federal logo no início. Ao fazer uma busca e apreensão num escritório de Paulo Roberto Costa e dar de cara com uma porta trancada, a polícia deixou o local em busca de uma maneira de entrar no imóvel. Nesse meio tempo, os parentes de Costa entraram lá e retiraram provas. Com isso, Paulo Roberto Costa foi preso e a investigação avançou.
Dallagnol também disse que a máxima “SIGA O DINHEIRO” não é bem assim, já que muitas operações, como as de dólar-cabo, escamoteiam o verdadeiro destino do dinheiro. “A corrupção acontece aos sussurros. Existe um acordo de silêncio entre o corruptor e o corrompido”, diz o procurador da República.
“O que fez com que os olhos da investigação se abrissem foram as colaborações premiadas. Ela não te leva para o fim de um labirinto, embora ajuda a olhar por cima deste labirinto e ver quais são os caminhos que permitem te levar ao final, provavelmente com sucesso”, compara, antes de dizer que a delação é um excelente ponto de partida para investigação com poder suficiente para afastar os sigilos fiscal e bancário.
Foi a partir das colaborações que uma investigação de um crime de lavagem de dinheiro de R$ 26 milhões passou a desvendar esquemas que chegaram aos R$ 6,2 bilhões, valor 238,5 vezes maior. O prejuízo estimado é ainda superior: R$ 42 bilhões, dos quais praticamente a metade abastecia três partidos políticos para enriquecimento ilícito de seus membros e para financiamento de campanhas.
Para Deltan Dallagnol, é papel dos membros do Ministério Público não apenas atuar com presteza nas relações processuais, mas também informar ao legislador quais são as brechas no sistema de justiça. “Nós queremos que o sistema de justiça funcione”, diz. “Queremos que também haja punição para os outros 97 de cada 100 casos de corrupção que acabam em plena impunidade no Brasil”.
Kalleo Coura – São Paulo
Fonte: Jota