sábado, 28 de julho de 2018

Promotor defende prisões preventivas para corruptos: 'prisão somente após muitos anos equivale à consagração da impunidade'

O promotor de Justiça Marcelo Batlouni Mendroni, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, respondeu às pessoas que se dizem "chocadas" com prisões de corruptos antes da conclusão do processo ou mesmo após a condenação em segunda instância. 

Para o promotor, "em qualquer país sério, a prisão preventiva seria a única hipótese considerada pela justiça, mas como o Brasil não é um País sério, o que choca é a prisão, quando deveria ser a corrupção". O promotor explica que "prisão somente após muitos anos, somente com a decisão do STF, equivale à consagração da impunidade".

Leia abaixo o artigo completo: 

Algumas pessoas se dizem “chocadas” ao ver um promotor de Justiça sustentar que um corrupto deveria ser preso desde o início da investigação, em prisão preventiva, e continuar preso, se condenado, até o final do cumprimento da pena…
Mas o que realmente choca a sociedade é ver alguém ser surpreendido em pleno ato de corrupção, filmado escondendo maços de dinheiro na cueca, nas meias, ou em malas…
No Brasil, se alguém é surpreendido com uma arma, assaltando um cidadão na rua, para tomar-lhe cem reais, vai preso em flagrante e em regra fica preso até a sentença. Mas se alguém é surpreendido praticando corrupção e recebendo milhões de reais, este não deve ficar preso – preventivamente – até a sentença? Por que não?
Em qualquer país sério, a prisão preventiva seria a única hipótese considerada pela justiça, mas como o Brasil não é um País sério, o que choca é a prisão, quando deveria ser a corrupção.
Existem basicamente algumas formas de corrupção, segundo estudos das Nações Unidas:
1. Corrupção episódica: comportamento honesto é a norma, a corrupção é a exceção, e o funcionário público desonesto é disciplinado quando detectado;
2. Pequena/média corrupção: praticadas por funcionários públicos, que podem ser basicamente indivíduos decentes e honestos, mas que acreditam serem mal pagas e acreditam que dependem de pequenos subornos para alimentar e educar suas famílias;
3. Corrupção grande: funcionários públicos de alto nível e os políticos tomam decisões que envolvem grandes contratos públicos ou projetos. Essa corrupção é motivada pela ganância. O dinheiro ou bens de tal corrupção muitas vezes é transferido para os indivíduos ou para os cofres de partidos políticos. As pessoas são atraídas pelas vantagens desta forma de corrupção disseminada pelas características de clientelismo e favoritismo, que significam a troca de favores com os governantes. Nesta forma, não há nenhum compromisso para o serviço e tampouco com o seu resultado.
Em relação ao nível de corrupção, podemos considerar, sem qualquer medo de errar, que no Brasil a corrução é Endêmica. Significa que no Brasil são praticados atos de corrupção de todas estas formas, da episódica à grande.
O nível seguinte seria a corrupção sistêmica na qual os canais de prevaricação se alastram para todos os pontos de coleta, de suborno e de corrupção – porque dependem deste sistema para a sua própria sobrevivência. Neste nível, o Estado depende da corrupção para funcionar. Todos os serviços públicos são cobrados e funcionam à base de propinas. Para uma consulta médica na rede pública de saúde, para que a coleta do lixo seja realizada, para tirar um documento de identidade; tudo é cobrado à parte pelo funcionário público. Este já é o último nível, aquele do qual já nos aproximamos, muito perigosamente. Aquele onde certamente não queremos chegar.
Corrupção no Brasil, é, por alguns, comportamento admitido. E ainda é, na verdade, prática comum e diária. A corrupção pertence, ou pertencia, à mentalidade do povo brasileiro, de casos pequenos e episódicos a grandes casos. Aqueles que acreditam que não sofrerão as consequências, praticam a corrupção. Mas esta mentalidade de tolerância está mudando, e a Justiça tem que agir de forma a fazer sociedade entender que a corrupção não vale a pena.
As pessoas só têm medo das consequências dos seus atos. Somente a punição rigorosa que gera respeito e esse medo.
Sabemos que a pena tem duplo caráter: De ressocialização e de castigo. Mas uma pessoa que tem um emprego público, está integrada à sociedade, inclusive porque deve servi-la. Se praticar corrupção, não precisa de nenhuma ressocialização, precisa só de castigo, de punição. A experiência nos mostra que o corrupto não deixa de praticar a corrupção e de lavar o dinheiro se não for preso porque assume uma condição de vida luxuosa, que não quer largar. Então procura outros meios para continuar.
Em um País sério, como por exemplo, EUA, Japão, Alemanha, Suécia, Noruega, Coréia do Sul, e outros, se alguém tenta subornar um guarda de trânsito para não ser multado, entregando-lhe 50 dólares, vai preso imediatamente (prisão preventiva) e fica preso. Isso “choca”? Se “choca”, não deveria, porque exatamente nestes Países as sociedades são mais desenvolvidas, há mais igualdade social, há mais segurança pública, há mais justiça.
Nestas sociedades dos Países desenvolvidos as pessoas aprenderam a ter medo das consequências dos seus atos. E no Brasil, que País queremos deixar para as próximas gerações?
Embora a prisão preventiva devesse ser a regra, ao menos em casos de grande corrupção; muito se comenta e se discute a respeito da possibilidade da prisão ser decretada após o julgamento da segunda instância, ou seja, dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais. O STF consagrou o entendimento dessa possibilidade recentemente, mas, ainda mais recentemente, e novamente, alguns dos Ministros, provocados por alguns Advogados, querem que o tema volte à pauta do STF, para rever este posicionamento, e com isto gerar a instabilidade jurídico-penal no Brasil. Mas prisão somente após muitos anos, somente com a decisão do STF, equivale à consagração da impunidade.
Se um réu fica preso (preventivamente) durante o processo criminal e com a sentença de primeiro grau é absolvido, ele é imediatamente colocado em liberdade enquanto aguarda o julgamento da segunda instância.
Por que, então, quando fica solto durante todo o processo e é condenado pelo juiz de primeira instância, contra ele não é expedido mandado de prisão enquanto aguarda o julgamento da segunda instância?
O risco de falibilidade humana é o mesmo, e a lógica das situações também parece a mesma! Aprendemos nas Faculdades de Direito que a Sentença de primeiro grau é o ato que põe fim ao processo, mas de que ela vale se não opera consequências jurídicas?
Parece-me que no âmbito penal, com estas interpretações contraditórias, a Sentença Penal de primeiro grau se converteu em mera decisão interlocutória, e foi retirado dos juízes de primeira instância o direito de decidir contra o réu. A sentença penal condenatória em primeiro grau já inverte esta “presunção de inocência”, para uma “presunção de culpado”, até pelo menos o julgamento do recurso. Então a Sentença tem que operar seus efeitos.
O dinheiro ‘roubado’ pela corrupção, depois faz muita falta para assistir a população mais carente.
As pessoas tem sim que se chocar é com a corrupção e não com a prisão dos corruptos. Mais que isso, as pessoas precisam ficar indignadas, agir e denunciar todo tipo de corrupção. É preciso mudar não só a mentalidade, mas principalmente o comportamento.
É evidente que, ao lado da punição rigorosa aos corruptos para o curto prazo; também são necessárias políticas sociais educativas de prevenção para médios e longos prazos, para que a cultura anticorrupção possa ser disseminada e desenvolvida para as próximas gerações. Não há qualquer dúvida a respeito disso.
Mas para agora, em curto prazo, a punição rigorosa tem que ser aplicada, e a prisão preventiva cabe muito bem na maioria dos casos.
O que choca é a corrupção, não a prisão.