terça-feira, 30 de maio de 2017

Deve o STF rever os termos da delação dos irmãos Batista?

Há muitos debates suscitados pela colaboração premiada (“delação”) dos irmãos Batista. Um deles levou dois ministros do Supremo a manifestações públicas divergentes nos últimos dias. Seria possível que algum órgão colegiado do tribunal revisse os termos do acordo homologado pelo ministro relator, em face de interesses públicos presumidamente lesados?
A polêmica surgiu em razão da difundida percepção de que, para os irmãos Batista, o crime teria compensado; e que a Justiça, pela integridade moral que fundamenta sua autoridade, não poderia se prestar ao papel de chancelar um crime perfeito. Perfeito e lucrativo, dirão seus críticos: os colaboradores ganharam os benefícios máximos previstos pela lei, e ainda parecem ter lucrado com a própria colaboração. Valeram-se do conhecimento inerente à posição de delatores para, antecipando as reações do mercado, reposicionar investimentos e protegerem-se tanto da alta do dólar quanto da queda das ações de seu grupo empresarial.
Diante disso, Gilmar Mendes sugeriu que o Plenário poderia rever os termos do acordo, porque o Plenário, e não o relator, seria “o juiz” do caso. Luís Roberto Barroso, por sua vez, defendeu a validade do pacto homologado pelo ministro Fachin, o relator, a quem vê cercado de pressões.
Não entrarei nos méritos sobre a vantagem ou desvantagem do acordo, para a PGR ou para os irmãos Batista. Seus benefícios foram enormes, como também foi a importância da colaboração em contrapartida. Opto por sair desta avaliação excessivamente subjetiva e focar-me em alguns pontos técnicos que me parecem relevantes.
Sob essa luz, duas questões surgem centrais à polêmica. Uma primeira, mais específica, diz respeito à competência do relator para homologar, sem necessidade de chancela subsequente, a colaboração premiada nos processos de competência originária de tribunais. A segunda, mais ampla, toca a validade de uma colaboração que, por demais leniente com os beneficiados, seja vista por alguns como contrária ao interesse público.
Por ambos os pontos de vista, avalio que a homologação de Fachin deve ser mantida, gostemos ou não dos seus termos.
A Lei 12.850/2013, que prevê, nos artigos 4º e seguintes, a colaboração premiada, fala o tempo todo em “juiz”. Sua redação foi pensada para o primeiro grau, quando as decisões cabem a magistrados ou magistradas singulares. Nos casos de competência originária de tribunais, surge a particularidade de que as causa são julgadas por órgãos colegiados. Não há “o juiz”, há “juízes” – neste caso, ministras e ministros. Se a competência para julgar é necessariamente colegiada, por que seria individual a homologação do acordo? Essa é a semente da dúvida lançada por Gilmar Mendes na semana passada.
Sabendo que a situação não foi particularmente disciplinada pela lei da colaboração premiada, devemos explorar os precedentes existentes, analogias aplicáveis e o espírito da lei.
Rafael Mafei Rabelo Queiroz

fonte: Jota.Info