terça-feira, 13 de junho de 2017

O desarmamentista Marcelo Freixo conta com 10 seguranças armados pagos pelo contribuinte

Um dia após cerca de 40 bandidos terem arrombado, mês passado, várias lojas na Rua Senador Pompeu, no Centro, a PM reconheceu que houve falha no atendimento à ocorrência, mas frisou que o tamanho de seu efetivo na região não é o ideal. Localizado a pouco mais de dois quilômetros dali, o Palácio Tiradentes deve causar inveja em muitos comandantes de batalhões. Afinal, a sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) conta com uma tropa de 241 homens, entre policiais militares e civis, bombeiros e agentes penitenciários. A maioria trabalha exclusivamente para deputados estaduais. O parlamentar recordista em preocupação com segurança, de acordo com uma consulta do GLOBO aos arquivos da Casa, é Paulo Melo (PMDB): somente ele requisitou 26 policiais para prestação de serviços em seu gabinete.

Ex-presidente da Alerj, Melo, que cumpre mandatos consecutivos há 30 anos, disse que não é tão preocupado com segurança como o efetivo faz parecer. Segundo o parlamentar, os documentos do Legislativo nos quais constam que há 26 policiais cedidos ao seu gabinete estão contaminados pelo tempo. O deputado admitiu que pode ter requisitado vários agentes militares e civis, mas afirmou que boa parte deles lhe prestou serviços na época em que comandava as sessões no plenário. Hoje, de acordo com Melo, dez trabalham para ele.

— Não procede. O número está errado. Tenho dez policiais no meu gabinete, para minha segurança pessoal. O número que você obteve pode ser o da Assessoria Militar da Alerj, de policiais que estavam comigo no tempo em que eu era o presidente da Casa — argumentou o deputado.

Não foi isso que a Alerj informou ao GLOBO. Segundo consta nos arquivos da Casa, o deputado requisitou 21 PMs, dois bombeiros, um policial civil, um agente penitenciário e um inspetor do Departamento Geral de Ações Socioducativas (Degase). O órgão executa medidas judiciais aplicadas a adolescentes infratores e é vinculado à Secretaria estadual de Educação.

— Há alguns policiais em meu gabinete, já que recebi uma ameaça de morte de um miliciano, constatada pela Secretaria estadual de Segurança. As investigações indicam que essa pessoa, que hoje se encontra detida em um presídio federal de segurança máxima, foi a autora da ameaça — justifica Melo.

Governador é quem autoriza

Os números obtidos pelo GLOBO mostram que os 241 policiais estão distribuídos nos gabinetes de 57 parlamentares. Além de Paulo Melo, aparecem no alto da lista de deputados estaduais que mais pediram agentes de segurança Marcelo Freixo (PSOL) e Wagner Montes (PRB), com nove cada um; Zaqueu Teixeira, com oito; Dionísio Lins (PDT), Flávio Bolsonaro (PSC) e Coronel Jairo (PMDB), com seis; e Zito (PP), Luiz Martins (PDT) e Pedro Fernandes (PMDB), com cinco. Há ainda oito bombeiros na Brigada de Incêndio e 16 agentes na administração da Coordenadoria Militar, sendo 11 PMs, três policiais civis e dois agentes penitenciários.

Paulo Melo lembrou, para justificar toda a segurança que o cerca, a invasão de seu sítio em Rio Bonito, na Região Metropolitana do Rio. O local foi invadido em junho de 2014 por criminosos armados. O deputado, na época presidente da Alerj, sofreu uma fratura num pé ao escapar dos tiros disparados pelos bandidos.

— As investigações revelaram que os invasores do sítio tinham algum tipo de ligação com aquele miliciano. Na invasão do sítio, dois seguranças foram baleados. Ou seja: é uma questão de segurança pessoal, de proteção. Eu estou doido para devolver (os policiais), mas tenho sido informado, inclusive com grampos telefônicos, que existe uma ameaça real — disse Melo.


De acordo com a Secretaria de Segurança, a cessão de policiais é uma atribuição única e exclusiva do governador, com anuência da Casa Civil. É o governador que a autoriza, e somente ele pode exigir a devolução dos agentes. Em 2014 e 2015, o então secretário José Mariano Beltrame fez uma campanha na qual pedia o retorno dos agentes em desvio de função. Na época, vários órgãos decidiram abrir mão de parte do efetivo cedido. Procurado na última sexta-feira para comentar o assunto, o governo do estado, em nota, informou que o tema deveria ser tratado diretamente com a Secretaria de Segurança.

— Isso é um absurdo, uma aberração. Temos uma quantidade enorme de policiais em desvio de função, fora das ruas. Há agentes de segurança cozinhando para deputados e dirigindo para as mulheres dos políticos. É bom ressaltar que se trata de pessoal da segurança pública, não é gente da iniciativa privada. O policial tinha que estar nas ruas, fazendo o trabalho para o qual foi contratado. Deveria servir à população, às pessoas que realmente pagam seus salários — disparou Miguel Cordeiro, presidente da Associação dos Ativos, Inativos e Pensionistas da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros (Assinap).

Cordeiro afirmou que a cessão de policiais para a proteção de juízes, promotores e deputados ameaçados de morte é justa, mas não acredita que haja tantos parlamentares sob risco.

— Não é o que tenho visto. A cessão de policiais virou uma farra da classe política. Tem policial levando mulher de deputado para cortar cabelo, dirigindo para deixar filhos de parlamentares na escola, para fazer compras no supermercado — disse Cordeiro, sem, no entanto, citar nomes.

Sindicalista faz críticas

A Alerj tem 70 deputados estaduais. Treze não contam, segundo a documentação da Casa, com agentes de segurança em seus gabinetes. Um dos parlamentares sem policiais entre seus assessores é Carlos Minc (sem partido). Presidente da CPI que investigou os desvios de armas na PM, ele defende uma redução do efetivo lotado no Palácio Tiradentes.

— Deveria ser um décimo do efetivo atual. É um excesso, principalmente se considerarmos o momento que o Rio vive, com policiais em falta nas ruas e nas UPPs. Eu sei que há deputados ameaçados, que, com razão, precisam de proteção permanente do estado, mas vemos um exagero. O número deveria ser o mínimo possível, o indispensável para a Alerj — enfatizou Minc.

O efetivo insuficiente de policiais nas ruas vem tendo forte impacto na economia da cidade. De abril de 2016 até o mês retrasado, o comércio varejista carioca gastou R$1,2 bilhão em segurança, contratando vigilantes, equipamentos eletrônicos, grades, blindagens de portas e reforço de vitrines. Esse valor foi levantado pela pesquisa “Gastos com segurança em estabelecimentos comerciais”, realizada pelo Centro de Estudos do Clube de Diretores Lojistas (CDL-Rio), que ouviu 750 associados. O levantamento mostra também que, dos entrevistados, 150 já tiveram estabelecimentos assaltados (20% a mais que no período anterior).

— A falta de segurança nas ruas prejudica muito o comércio, já afetado pela recessão econômica. Além de reduzir seus gastos por conta da crise financeira, o consumidor está com medo de sair de casa — reclamou Aldo Gonçalves, presidente do Sindicato Lojista do Rio e do CDL.

Contestações e justificativas

Assim como Paulo Melo, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) afirmou que o número de servidores da área de segurança cedidos ao seu gabinete não está correto. A Alerj informou que são nove; ele destacou que, na verdade, são dez: cinco agentes penitenciários, três PMs e dois civis.

— A maioria dos meus seguranças é formada por agentes penitenciários justamente para não prejudicar a PM. Minha razão para ter policiais cedidos é específica: eu presidi a CPI das Milícias e do Tráfico de Armas. Recebi uma série de ameaças de morte. Foram mais de 30 documentadas. A CPI levou à prisão mais de 200 pessoas — argumentou Freixo.

Segundo a Alerj, Zaqueu Teixeira (PDT), trabalha com um PM, dois bombeiros e cinco policiais civis.

— Na verdade, tenho sete agentes de segurança, e um está de licença. Tenho minha imagem muito vinculada à Polícia Civil, da qual fui chefe. Também fui candidato a prefeito na Baixada. A gente não pode prescindir de segurança para o mandato — argumentou Teixeira.

Flávio Bolsonaro (PSC), com seis policiais, de acordo com a Alerj, disse que a presença deles em seu gabinete é essencial:

— Eles me assessoram, e meu mandato é voltado exatamente para a área de segurança.

Dionísio Lins (PP), presidente da Comissão de Combate à Pirataria, tem seis, pela documentação da Alerj. Ele nega; afirma não ter nenhum. Luiz Martins (PDT), que aparece com cinco, garante contar com três:

— Eles me auxiliam na elaboração de propostas relativas à segurança, um tema cada vez importante no dia a dia dos cidadãos.

Já a assessoria de Wagner Montes (PRB), que está de licença médica, informou que quatro agentes de segurança trabalham em seu gabinete, em vez dos nove informados pela Alerj.