terça-feira, 18 de julho de 2017

“Existe um mundo de corrupção para ser investigado”, declara Deltan Dallagnol

Em uma entrevista ao Estadão, o procurador Deltan Dallagnol falou dos ataques à operação Lava Jato, da carga de trabalho por vir, sobre a necessidade do fim do foro privilegiado e da necessidade de apoio popular para que o escândalo na Petrobrás não siga o mesmo destino da Operações Mãos Limpas, na Itália. 
Deltan disse ainda que o há muito ainda o que se investigar. Leia a seguir a entrevista:
Estado: A Lava Jato em Curitiba acabou ou caminha para o fim?
Deltan Dallagnol: Existe um mundo de corrupção para ser investigado. Puxam-se penas e não vêm apenas galinhas, mas granjas inteiras. O número de fases da operação diminuiu em 2017, mas isso não decorre da falta de matéria-prima ou de linhas de investigação e sim de outros fatores, como da falta de mão de obra na Polícia Federal. Além disso, muitas frentes de investigação esbarraram no foro privilegiado e hoje uma parte da energia de nossa equipe é investida em semear outras investigações país afora. Quando se faz um acordo de colaboração como o da Odebrecht, são investidos meses de trabalho que permitem revelar milhares de crimes, mas apenas uma parcela disso fica em Curitiba.
Estado: Há muito o que se investigar no escândalo Petrobrás?
Deltan: Há centenas de pessoas sob investigação e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobrás em que a apuração ainda está amadurecendo, como a de comunicação e a de serviços terceirizados. A equipe suíça está em pleno vapor e investiga mais de mil contas e menos de metade desse material foi encaminhado ao Brasil. O crescimento dos pedidos de cooperação internacional da Lava Jato de 183, em março, para 279, hoje, mostra a intensificação do intercâmbio para a produção de provas. Há todos os desmembramentos da Odebrecht que ficaram em Curitiba – só aí perto de 50 investigações. Inúmeras ações cíveis contra a corrupção estão pendentes, inclusive contra partidos políticos. Bancos poderão ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior. Há casos pendentes envolvendo diversas empreiteiras, Belo Monte, Pasadena… Enfim, ninguém aqui pode reclamar de falta de trabalho.
Estado: O fim de um grupo específico da Lava Jato na PF prejudica as apurações?
Deltan: No governo atual, enquanto a força-tarefa de procuradores cresceu, a Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada. Basta ver que só uma das últimas 6 fases da Lava Jato partiu da polícia. O número de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o núcleo de trabalho que se dedicava exclusivamente à investigação fosse dissolvido. 
A dissolução acaba com a especialização do conhecimento, o que prejudicará a eficiência e os resultados. Além disso, impede o controle social sobre o quanto a equipe está ou não estruturada e se está investindo para que as apurações avancem.
Veja-se que, recentemente, num período de dez dias, a Lava Jato recuperou quase R$ 1 bilhão, quando a regra é que investigações no Brasil não recuperem nenhum centavo. Se queremos que corruptos respondam pelos crimes e o dinheiro volte pra sociedade, é preciso manter os esforços de investigação.
A polícia se comprometeu a reestruturar o grupo de trabalho exclusivo, mas isso depende de receber mais delegados para a Lava Jato.
Estado: O foro privilegiado vai acabar no Brasil?
Deltan: Torcemos que o projeto aprovado no Senado, que restringe o foro a poucas pessoas no País, seja examinado logo pela Câmara, mas duvido que isso aconteça por razões óbvias. 
Além disso, aguardamos ansiosamente que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes devolva para votação o julgamento que tende a restringir a extensão do foro privilegiado. Essa é a melhor chance.
Estado: As delações premiadas, que sustentaram a expansão da Lava Jato, vive seu momento de ataques mais agudos. As delações não vão parar?
Deltan: Existe uma longa fila de candidatos à colaboração. 
A realização dos acordos depende de uma série de fatores, como o potencial de expandir as investigações, a força das provas apresentadas, a verossimilhança das informações quando comparadas ao que já é sabido, o quanto é possível ou provável que se alcançasse o mesmo resultado sem o acordo nos desdobramentos naturais da apuração, a atualidade do esquema criminoso, o potencial danoso dos crimes revelados, o número e a importância dos agentes implicados na estrutura das organizações criminosas etc.
Os acordos continuam e continuarão sendo um mecanismo da investigação. Jamais como um ponto de chegada, mas como um ótimo ponta pé inicial.
Estado: O que o delator precisa fazer para obter imunidade total numa investigação?
Deltan: O ideal é punir integralmente todos os criminosos por todos os crimes, mas em regra isso não é possível quando se trata de corrupção. A delação segue uma lógica negocial. Se bate à porta uma pessoa que jamais foi investigada e informa ter provas de crimes muito graves e totalmente novos, mas condiciona sua colaboração à imunidade, uma decisão precisa ser tomada. 
É melhor punir os demais criminosos e ressarcir a sociedade, dando imunidade ao colaborador, ou não punir ninguém? 
Para se entender um acordo, deve-se ter em mente qual era a alternativa que cada parte tinha à celebração do acordo. É claro que, normalmente, a realidade é mais complexa do que o exemplo que dei e o desfecho depende das alterativas disponíveis no caso concreto. 
A regra é que os benefícios dados ao colaborador devem ser os mínimos possíveis dentro do que a negociação permita alcançar. Como resultado, em geral, a redução da pena varia na proporção do quanto a colaboração contribui para a investigação e a sociedade, tomando em conta fatores como aqueles apontados em resposta à sua pergunta anterior.