terça-feira, 22 de agosto de 2017

“Não há regras para fiscalizar o bilionário fundo partidário”, alerta especialista

Essa falta de regras poderá evitar a renovação política e fortalecer “caciques”.
Serão despejados bilhões de reais em campanhas políticas no próximo pleito, pelo fundo eleitoral aprovado na comissão da reforma política da Câmara dos Deputados, sem a garantia de fiscalização do uso dos recursos públicos destinados aos partidos. 
Pela proposta que deve ser analisada nesta semana no plenário da Casa, até R$ 3,6 bilhões serão reservados para custear gastos com propaganda política, entretanto a atual estrutura da Justiça Eleitoral enfrenta desafios para averiguar a aplicação do montante, considerado alto por especialistas.
Esse valor, acrescido das verbas já separadas para o Fundo Partidário, pode passar de R$ 4 bilhões – na campanha eleitoral de 2014, os partidos declararam oficialmente gastos de R$ 5,1 bilhões, quando ainda eram permitidas as doações empresariais. Apesar da falta de consenso, os deputados propõem a destinação de 0,5% da receita corrente líquida da União para o financiamento de campanhas, mas já discutem a redução da quantia para 0,25%.
Pela primeira vez, a Justiça Eleitoral terá de analisar um montante tão elevado de recursos públicos em campanhas eleitorais. A coordenadora-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Geórgia Nunes, alertou para a ausência de regras sobre a prestação de contas e a fiscalização do fundo bilionário. “Como se trata de um recurso novo, não se sabe como o Congresso vai estabelecer a forma de prestação de contas. Além da previsão do fundo, o texto precisa ter regras claras sobre essa destinação”, disse a advogada.
Para Geórgia, os parlamentares, ao discutir um fundo tão elevado sem a previsão de fiscalização, não atendem aos anseios da população com respostas eficientes de combate à corrupção, após revelações da Operação Lava Jato. “A sociedade reclama um barateamento de campanha. E isso (o valor do fundo) é um contrassenso.”
Também a professora de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Andréa Freitas criticou o valor do fundo e ressaltou que o financiamento público, somado à possibilidade de doações de pessoas físicas, recursos dos próprios candidatos e do Fundo Partidário, chegaria a valores semelhantes aos declarados em 2014. “É um valor estratosférico. Você tem praticamente todo o valor oficial unicamente vindo do Estado”, disse. “A solução não é uma solução, as campanhas vão continuar extremamente caras”.

Com a proibição de doações empresariais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015 e com as dificuldades enfrentadas para bancar as eleições de 2016 por meio do Fundo Partidário e das colaborações de pessoas físicas, os parlamentares se articulam justamente para aprovar um aporte bilionário. Sobre a destinação dos recursos, o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) cita apenas que “caberá ao TSE-Tribunal Superior Eleitoral a fiscalização da distribuição e da utilização dos valores destinados a cada partido”.

“Esclarecer como isso será dividido no interior do partido é fundamental para evitar que os líderes centralizem recursos em um conjunto de candidatos”, disse Andréa. 
Ela afirmou ainda que essa falta de regras poderá evitar a renovação política e fortalecer “caciques”.