terça-feira, 23 de janeiro de 2018

“Não foram erros, ele cometeu crimes”, diz médica, sobre as algemas de Cabral

Em matéria publicada no jornal O Globo, a mãe de Sérgio Cabral, Magaly Cabral, criticou a forma como o filho foi transferido do Rio para Curitiba pela Polícia Federal. Ela alegou que o ex-governador não era bandido perigoso para sair algemado nas mãos e nos pés. “Ele não mandou matar ninguém de dentro da prisão”, diz ela.
Na última sexta-feira, 19, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba com as mãos algemadas e os pés acorrentados.
Imediatamente algumas vozes se levantaram indignadas e em solidariedade à senhora Magaly. O presidente da OAB no Rio se sensibilizou com o desabafo de Magaly, e disse que quando ela fala que o filho não deve ser tratado como bicho, relembra que o estado não deveria ser agente de vingança ou ódio.
Uma médica, funcionária de um hospital público do Rio de Janeiro, não se conteve com as reações desses setores e desabafou: “seu filho não ‘cometeu erros’. Ele fez algo mais grave. Ele cometeu crimes”, disse ela.
Já o juiz Sérgio Moro pediu à PF para esclarecer os motivos de ter utilizado algemas nos pés e nas mãos de Sérgio Cabral durante a transferência dele do Rio para o Complexo Médico Penal do Paraná. O juiz federal recomendou que se observe a súmula vinculante 11 do STF, segundo a qual as algemas só devem ser usadas em casos de risco de fuga e de perigo à integridade do preso ou de terceiros.
Veja a íntegra da carta da médica em resposta à dona Magaly Cabral.
Dona Magaly Cabral,
Eu também sou mãe. E nas horas vagas sou médica. Trabalho em um hospital público. De uma universidade. Estadual. No Rio de Janeiro. Como tal, assisti, impotente, a uma enxurrada de solicitações de medicações essenciais para a vida de milhares de pessoas ser negada por falta de compra. Vi, aterrorizada, centenas de leitos serem fechados no HUPE por falta de repasse de verba. E tive, desesperada, que negar admissões e internações justamente por falta de leitos.
O que durante algum tempo parecia ocorrer pela crise financeira se mostrou uma farsa.
Descobri, perplexa, que o dinheiro de merenda escolar e remédio era desviado para que o governador do Estado e sua esposa advogada esbanjassem em iate, quadros, viagens com fotos cafonas, joias e privada automatizada.
E, não por acaso, este senhor era seu filho.
Desculpe a minha falta de empatia, mas discordo categoricamente da sua afirmação. Seu filho não “cometeu erros”. Ele fez algo mais grave. Ele cometeu crimes. C-r-i-m-e-S. No plural. É fato que ele não deu ordens de matar, a partir da cadeia. Por um motivo muito simples: ele matou muita gente com sua caneta. Que lhe foi concedida para cuidar deste estado e não para se esbaldar em Paris com guardanapos na cabeça e Loubotin nos pés.
Abre parênteses para update:
Da cadeia ele não “mandou invadir”. No entanto, os lares dos cidadãos do estado foram invadidos com as imagens das mordomias concedidas ao seu filho. Enquanto milhares de presos semianalfabetos, negros e pobres apodrecem na cadeia superlotada, onde adquirem, entre outras coisas, tuberculose e sarna. E de sua nora desfrutando do conforto do seu apartamento no Leblon, ao passo que outras milhares de mães presidiárias são afastadas dos seus filhos.
E não, não compartilho da máxima que as mães podem tudo. Caso não tenha percebido, vou lhe contar um segredo: seu filho lhe deu presentes caros nos últimos anos? Saiba que eles custaram os rins, corações e fígados de pessoas doentes.
Fecha parênteses.
Humilhação é mendigar remédios e salários que lhe são devidos por direito. É ser achincalhado publicamente pelo seu patrão, como nós médicos fomos. É assistir inúmeros pacientes morrerem por falta de antibiótico e perderem seus transplantes por falta de imunossupressores.
Dona Magaly, me desculpe se não sinto compaixão e se acho que as algemas são um castigo leve demais.
Ao contrário da senhora, que tem acesso à coluna, sou mais uma médica tentando enxugar gelo todos os dias, além de tentar reconstruir, com muito trabalho, o hospital que seu filho quebrou.
Infelizmente, o meu lamento não desfaz a desgraça das inúmeras famílias que seu filho provocou. Isso sim faz sentido, minha senhora.