quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Entenda a maracutaia do “distritão” (e o risco que corremos)

A discussão e o esclarecimento tornam-se importantíssimos. Sobretudo,  porque o “distritão” não é o mesmo que “ voto distrital”, como os políticos querem nos fazer pensar.
Entenda a maracutaia do “distritão” (e o risco que corremos)
Por Elisa Robson*
Devo colocá-lo de sobreaviso.  Tudo o que o os políticos fazem, falam ou decidem deve ser foco de nossa constante atenção. Porém, uma, duas ou três pessoas apenas não dão conta de vigiar os passos deles. Por isso, a população precisa estar unida, com uns ajudando os outros na disseminação de informações, como se fôssemos um avançado observatório astronômico.
Você sabe para que serve um observatório astronômico?  Esse dispositivo é fundamental para estudar os corpos celestes na escuridão do universo. Os pesquisadores usam um observatório astronômico para olhar além das nuvens.
Quando falamos de política, deveríamos ter a mesma intenção que os pesquisadores. Olhar além do que está obviamente diante de nossos olhos.
No momento em que escrevo este artigo, a comissão da Câmara que analisa a reforma política acaba de aprovar uma emenda que estabelece o chamado “distritão” para a escolha de deputados federais, deputados estaduais e vereadores. A comissão ainda não terminou de analisar essa proposta, que passará também pelo plenário da Câmara (votação em dois turnos) e pelo Senado.
Por isso, a discussão e o esclarecimento tornam-se importantíssimos. Sobretudo,  porque o “distritão”  não é o mesmo que “ voto distrital”, como os políticos querem nos fazer pensar.
O sistema proposto pelo “distritão” é, a princípio, simples: seriam eleitos os deputados mais votados em cada Estado. E seria diferente da proposta atual porque, hoje, para ser eleito, o candidato depende não apenas dos votos que recebe, mas também dos votos recebidos pelo partido ou coligação.
Portanto, em sua defesa, o “distritão” tem os fatos de que:
  1. O modelo acaba com os “puxadores de votos”, candidatos bem votados que garantem vagas para outros integrantes da coligação.
  2. O foco das campanhas tende a passar para os candidatos, fazendo com que os programas dos partidos e das coligações percam espaço.
Por outro lado, os efeitos desse tipo de voto certamente são mais complexos. E, neste exato momento de turbulência pelo qual passa nosso país, a escolha deste modelo traria muitos riscos:
  1. Candidatos com mais recursos serão os beneficiados com o fato das candidaturas serem personalizadas.
  2. As chances reais podem ser de apenas os candidatos mais conhecidos, como celebridades ou políticos que tentarem a reeleição, conseguirem se eleger.
  3. Este cenário tornará muito difícil a renovação casas legislativas.
  4. Ficará quase impossível o surgimento de novos nomes na política também porque coligações e partidos deixariam de levar para as casas legislativas candidatos com votações menos expressivas.
 Uma das consequências é a de que enfraquecerá a ideia de uma campanha séria, pois os partidos serão incentivados a apresentar candidatos com forte apelo individual e posições extremas e capacidade de arrecadar fundos. É bem possível que haja uma queda na qualidade do debate eleitoral.
É por isso que o modelo “distritão” não é adotado por nenhuma democracia consolidada. Ele vigora atualmente apenas no Afeganistão, na Jordânia e em alguns pequenos países insulares.
“voto distrital”, por sua vez, é outro modelo diferente, adotado em países como Reino Unido. Neste caso, o país é dividido em pequenos distritos, e cada um deles elege um representante ao Parlamento. Os partidos postulam um candidato por distrito e somente o vencedor da eleição conquista a cadeira.
Por fim, além destes dois modelos, há um terceiro: o “voto distrital misto”, que é o mais defendido pelos especialistas e de inspiração alemã.  Neste, metade da Casa é eleita pelo voto distrital – em que vence o candidato mais votado em cada região – e a outra metade é escolhida proporcionalmente pelo voto no partido.
Portanto, assim como os astrônomos buscam entender o mistério escuro do universo e encontram muitas respostas por meio da observação cuidadosa, deveríamos fazer o mesmo com os políticos e as ideias que eles lançam para a opinião pública.
Ou corremos o risco de enxergar apenas as nuvens e não entender como todo o universo político influencia diretamente nossas vidas.
*Elisa Robson é jornalista e editora da página República de Curitiba BR