terça-feira, 14 de agosto de 2018

Cristina Kirchner se nega a depor e diz que sofre 'perseguição política'

A senadora e ex-presidente argentina Cristina Kirchner (2007-2015) compareceu nesta segunda-feira a um tribunal federal de Buenos Aires, onde deveria prestar seu quarto depoimento desde que deixou o poder perante o juiz Claudio Bonadio. O juiz já a processou, ordenou sua detenção e pediu em vão a suspensão de sua imunidade parlamentar no caso de um suposto pacto secreto com o Irã para acobertar ex-funcionários daquele país acusados de envolvimento no atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, publica o site Folha Política.

Segundo a publicação, Cristina apresentou-se, desta vez, aos tribunais portenhos por ordem do juiz para depor na chamada “Lava-jato argentina”, em que ela, vários de seus ex-funcionários e empresários são acusados de terem formado uma associação ilícita para arrecadar dinheiro por meio de obras públicas. A senadora se recusou a prestar depoimento, questionou a competência de Bonadio para julgar o caso e apresentou um documento no qual nega as acusações e afirma ser uma perseguida política.

Pouco antes de chegar ao tribunal, no centro de Buenos Aires, Cristina divulgou uma nota em que diz que há uma “nova estratégia regional para prescrever dirigentes, movimentos e forças políticas que ampliaram direitos e permitiram que milhões de pessoas saíssem da pobreza na primeira década e meia do século XXI”, numa referência implícita ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na nota, a ex-presidente diz ainda que o processo é "uma decisão política do Poder Judiciário, em sua mais alta expressão, em coordenação com o Poder Executivo [do presidente Mauricio Macri] e a mídia hegemônica para ungir Bonadio como o braço da perseguição dirigida contra minha pessoa. Inaugura-se assim uma nova categoria jurídica que excede a do 'juiz parcial' ou a de 'nenhum juiz': a do 'juiz inimigo, ator principal da lawfare [guerra jurídica]".

Nesta segunda, diferentemente de outros momentos em que a ex-presidente compareceu aos tribunais portenhos, não houve uma multidão de militantes kirchneristas do lado de fora. Ela pediu que os militantes não comparecessem desta vez. Apenas jornalistas e cerca de 300 agentes da Gendarmeria (força nacional de segurança). Cristina, além de denunciar uma suposta perseguição política, não falou ao juiz e solicitou a anulação do processo.

PROPINAS PODERIAM CHEGAR A US$ 13 BILHÕES

No caso da “Lava-jato argentina”, já foram indiciadas 37 pessoas, das quais 15 estão detidas. Muitas delas são empresários do setor da construção civil, acusados de terem pago propinas milionárias a ex-funcionários kirchneristas. O caso veio à tona com a descoberta de oito cadernos escritos à mão por Oscar Centeno, chofer de um ex-alto funcionário do Ministério do Planejamento, que anotou com riqueza de detalhes os movimentos de seu ex-chefe, agora preso.

Nos cadernos, Centeno, que se disse arrependido e agora é protegido pela Justiça, relata cada movimento de recebimento e entrega de malas com dinheiro, em alguns casos mencionando até mesmo Cristina e o ex-presidente Néstor Kirchner. Cálculos realizados pela imprensa argentina estimaram que o valor total das propinas poderia chegar a US$ 13 bilhões (R$ 50,5 bilhões), ou seja, US$ 3 milhões (R$ 11,6 milhões) por dia, se divididos pelos quase 13 anos em que o kirchnerismo esteve no poder.

VÁRIOS PROCESSOS

A senadora e ex-presidente está envolvida em vários processos judiciais. Na maior parte, é considerada a cabeça das associações ilícitas. “Agora, neste novo processo, iniciado de maneira claramente irregular, pretendem voltar a persegui-la pela mesma conduta que já é matéria de investigação em outros três processos, ou seja, a suposta associação ilícita que teria formado nos governos nacionais de 2003 a 2015”, afirmou o advogado de Cristina, no documento entregue nesta segunda a Bonadio.

Em sua nota, Cristina também pediu que se investigue o sistema de atribuição de obras públicas do governo Macri em Buenos Aires, cidade onde o atual presidente foi prefeito. "Se existe o propósito genuíno de saber o que ocorreu com as obras públicas, a investigação deve chegar até o presente", declarou a ex-presidente. "É imprescindível que se analise o manejo das obras públicas no âmbito da Cidade Autônoma de Buenos Aires, onde o PRO (partido do governo) vem governando há mais de uma década".

Os próximos passos no processo contra Cristina seriam uma autorização do Congresso argentino para a realização de revistas em residências da ex-presidente e, em médio a longo prazo, um novo pedido de suspensão de sua imunidade parlamentar, caso o juiz volte a solicitar sua prisão. O pedido anterior foi negado.

Até agora, o funcionário mais importante dos governos Kirchner que está preso, acusado em vários casos de corrupção, é o ex-ministro do Planejamento, Julio De Vido, apontado com o cérebro da "Lava-jato argentina", junto com Néstor Kirchner, falecido em outubro de 2010.